Carreira: Faro, Guirigai, Saragoça, Loulé, Cáceres, Montemuro, Albufeira, Barcelos
No último capítulo do Ulisses, de Joyce, o senhor Leopold Bloom, depois de deambular vinte horas por lugares de Dublin regressa a casa a fim de se deitar com a sua esposa. Pois, deita-se e logo adormece. É durante o sono do senhor Bloom que a esposa, Molly, desvenda facetas da personalidade dele e da sua própria. É um solilóquio torrencial, fragmentado, com frases ligadas ininterruptamente por associações de pensamentos, sonhos e fantasias eróticas que assolam esta mulher durante a insónia. Debate-se a questão da evidência, ou não, de se tratar de um discurso com sentido feminista. A nós, interessa-nos sobretudo abordar esta metáfora de Penélope no plano existencial.
Classificação Etária: Maiores de 16 anos
Palavras do encenador
Agradeço ao Miguel Seabra ter-nos facultado a tradução que o José Bento fez de A noite de Molly Bloom que o Miguel encenou em 1996 para o Teatro Meridional e que teve a interpretação da Natália Luiza. Conhecendo eu a exigência que estes meus colegas – o Miguel e a Natália - põem no seu trabalho, e o rigor do José Bento, não tenho qualquer dúvida acerca da elevação dessa obra cénica (a que não tive a oportunidade de assistir) do texto de Joyce com dramaturgia do José Sanchis Sinisterra.
Vinte e cinco anos depois estamos nós a levá-lo à cena!
O texto de Joyce, como se sabe, é unanimemente considerado um monumento da literatura, e o capítulo XVIII (A noite de Molly Bloom) uma tentação para qualquer fazedor/a de Teatro.
Se este texto fazia sentido em 1996, vinte e cinco anos depois parece-me que ainda faz mais sentido. É que nesse tempo aconteciam amplas e profundas discussões acerca de matérias que o texto aborda; hoje em dia, apesar de persistirem, essas matérias foram aligeiradas no espaço público julgando-se que perderam substância, e muito por via da vulgaridade que invadiu a nossa existência, nomeadamente no que diz respeito à experiência feminina: um poço de vaidades emergiu e matéria comezinha manifesta-se – sobretudo através das redes sociais com tanta fake news à mistura. Confesso que por vezes me espanta como é que estas criaturas não sentem vergonha delas próprias ao exporem a sua falaciosa intimidade. Enfim, é o mundo que temos!
Este texto constitui uma denúncia no feminino (não digo feminista). Na sua aparente vulgaridade Molly Bloom evidencia problemáticas que o oposto de género não alcança. Sim, ela pode parecer elementar, mas tendo como referência o universo masculino (o texto é de 1901) o seu discurso é de libertação. Molly Bloom expõe-se mas num sentido que está muito para além do aspecto imediato; pode mesmo dizer-se que a sua exposição dramática constitui um manifesto libertador, uma alusão – direi mesmo uma denúncia!- da grande literatura a um contexto existencial de condições opostas: o homem dorme; a mulher questiona.
Orgulho-me por levar esta obra à cena. E honra seja feita a Joyce que a escreveu e ao Sinisterra que a dramatizou; e honra seja igualmente feita às actrizes que têm aceitado o desafio de interpretar a personagem de Molly Bloom - pode parecer divertido (e, de facto, é!); mas, podem crer: não é fácil. Nós, fazedores/as de Teatro, é que nos damos ao gosto e ao desgosto de o fazer!
Luís Vicente
Autor: James Joyce
Adaptação e dramaturgia: José Sanchis Sinisterra
Tradução: José Bento
Encenação e espaço cénico: Luís Vicente
Intérpretes: Glória Fernandes, Bruno Martins
Desenho e operação de Luz: Octávio Oliveira
Desenho e operação de Som: Diogo Aleixo
Grafismo: Rita Merlin
Comunicação: Sofia Margarida
Produção: Márcia Martinho
Agradecimento: Miguel Seabra/Teatro Meridional